(Foto: Daniel Costa/DOL)
A “caça às
bruxas” se instalou nos corredores e departamentos da Fundação Santa
Casa de Misericórdia do Pará depois que o DIÁRIO trouxe à tona os graves
problemas estruturais e de gestão da maior maternidade pública do
Estado. As denúncias envolveram a morte de mais de 40 recém-nascidos em
junho passado, passando por condições insalubres de trabalho dos
servidores e de deterioração da cozinha onde é servida a comida aos
pacientes. Ao invés de corrigir os problemas e revelar a real situação à
sociedade, a atual gestão persegue, pune e afasta servidores.
Foi o que aconteceu com o nutricionista
André Luiz Silvestre Formigosa e com o assistente administrativo Flávio
Roberto da Costa Silva. Segundo portarias publicadas no Diário Oficial
do Estado e assinadas pela presidente da instituição, Maria Eunice
Begot, os dois foram afastados 60 dias de suas funções (sem prejuízo da
sua remuneração) “como medida cautelar e a fim de que o servidor não
venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora
do processo disciplinar”. A portaria de André foi publicada no último
dia 2 e, a de Flávio na última sexta-feira (9).
Flávio Roberto é dirigente do Sindicato dos
Servidores Públicos do Estado (Sepub) e presidente da Associação dos
Servidores da Santa Casa. Com 59 anos de idade e 40 anos de serviço
público, estava lotado no laboratório da instituição há 13 anos, onde
digitava e cadastrava exames. “Estava de férias em julho e soube por
amigos que a direção havia me retirado do laboratório e colocado à
disposição do Espaço Recolher, que atende a escalpelados na Santa Casa,
onde não há nada para eu fazer. Estava lá desde o dia 7. No dia 8 veio a
portaria. Não fui avisado oficialmente nem da realocação nem do
afastamento”.
DENÚNCIA
Como cidadão e servidor público, ele disse
ter o direito de se manifestar e que sempre foi um contestador na Santa
Casa na busca por melhores condições de trabalho para os servidores.
“Tudo que o DIÁRIO, o DOL e a RBA publicaram é a mais pura verdade. Os
colchonetes de descanso no laboratório continuam rasgados e os
equipamentos sucateados. Na coleta de sangue tiraram as cadeiras
específicas para o exame e colocaram cadeiras comuns que não possuem nem
apoio para o braço. A cozinha mostrada continua do mesmo jeito”,
afirma. Flávio sempre buscou diálogo com a diretora-técnica da fundação,
Cinthya Pereira que, segundo ele, nunca reuniu com os servidores.
Os servidor confirma ainda a veracidade do
memorando n° 234/2013 – CCIH /FSCMPA, datado de 12 de julho que pede o
bloqueio (fechamento) das UTIs Neonatais 2 e 3 e da Ala Cirúrgica da
Santa Casa. O documento prova que a área de neonatologia da maternidade
estava contaminada por um tipo de bactéria resistente, fato omitido pela
área de Saúde. “Eu trabalho naquele laboratório há anos e confirmei a
sua veracidade quando a imprensa veio me procurar. Não posso omitir essa
situação”, coloca Flávio, cujo mandado como presidente da associação
expirou em junho. Ele continua legalmente no cargo até que nova eleição
seja realizada.
Amanhã Flávio reunirá com a Assessoria
Jurídica do Sepub e da Federação dos Servidores Públicos do Estado para
discutir as medidas jurídicas que serão tomadas contra a direção da
Santa Casa e do governo do Estado. “Estão me tratando como um delator,
um bandido. Em quatro décadas de serviço público nunca fui afastado de
minhas funções. Vou provar que tudo que falei é verdade e honrar meu
nome. Não sou leviano e afirmar coisas que não existem”.
Ele lembra que a atual direção o chamou de
mentiroso e de desconhecer o que falava. “Você acha que eu queria que a
Santa Casa estivesse nessa situação? Claro que não! O que não posso é
mentir como o governo fez. Estou defendendo a instituição e não posso me
omitir diante da incompetência administrativa, assistencial e técnica”.
E prossegue: “O gerente do Laboratório, Marcelo Pereira Mota, chegou a
dizer que enquanto ele estivesse no setor eu não pisaria mais lá”.
A direção ainda teria baixado uma portaria
proibindo a sua presença e a de André nas dependências da Santa Casa
enquanto estiverem afastados das suas funções, fato ainda não
confirmado. “Eu já fiz um boletim de ocorrência na polícia denunciando
assédio moral, constrangimento e abuso de poder contra a presidente
Maria Eunice Begot, contra o gerente do Laboratório Marcelo Pereira e a
diretora-técnica Cinthya Pereira. Se me proibirem de entrar faço outra
ocorrência. O hospital é público e sou um servidor público”, desafia.
Nutricionista vai recorrer
No PAD instaurado contra André Formigosa a
direção da Santa Casa alega que o nutricionista teria “revelado segredo
do Estado”, o acusa de falta de ética e de “atitude escandalosa na
repartição”. “Não tenho nada a ver com a gravação que fizeram na cozinha
da Santa Casa e não facilitei nada a ninguém como me acusam. Os
jornalistas apareceram lá e entraram e ninguém barrou. Não tenho poder
de permitir ou impedir a entrada de ninguém no hospital. Não sou
segurança, sou nutricionista”.
Formigosa diz que a alegação da Santa Casa
para lhe afastar é fantasiosa. “Como atrapalhar se nem mesmo fui
comunicado do meu afastamento? Só soube pelos corredores! Esse risco de
prejudicar a apuração só ocorreria se subalternos a mim fizessem uma
denúncia formal à comissão do PAD e isso não ocorreu. Ninguém falou nada
de mim. Fui eleito mais um bode expiatório de toda essa situação”,
declara o nutricionista, que também vai recorrer à Justiça.
No último dia 21 de julho o DIÁRIO publicou
reportagem mostrando os problemas estruturais, de higiene e de condições
de trabalho da cozinha da Santa Casa, além de estar em desacordo com as
normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do
Ministério da Saúde. O local prepara, em média, três mil refeições por
dia para 1.800 pacientes, 900 funcionários e 300 acompanhantes. Desde o
início da atual administração estadual, há 2 anos e 7 meses, não sofreu
melhoria nos equipamentos ou instalações.
A área no subsolo é insalubre: há sujeira
por toda parte. Paredes sem revestimento. Há dois banheiros sem
condições de uso. Num deles, o sanitário está coberto por um saco
plástico. No outro, o sanitário está aberto, expondo sujeira. Nos dois
banheiros há paredes quebradas, descargas sem canos, pias sem torneiras.
Tudo a uma pequena distância da cozinha.
PROBLEMAS
Na área de Pré-Preparo de Carnes há tomadas
ausentes, fiação exposta, janela quebrada. Abaixo dos balcões, canos de
esgoto aparentes, sujos de lama. No local de preparo dos alimentos,
grandes fogões industriais cobertos por ferrugem. Há restos de alimentos
estragados, caídos entre os bocais. Bem ao lado dos fogões, há poças
d’água estagnada.
Os funcionários têm que usar freezers para o
armazenamento de alimentos perecíveis. A câmara frigorífica está
quebrada há pelo menos quatro anos e serve de depósito de entulhos e
lixo. Há rachaduras e buracos pelo chão e as janelas estão sujas e
quebradas. Num grande ralo no chão havia restos de alimentos e um cano
exposto. “A cozinha continua com a mesma estrutura decadente. Nada
mudou”, disse André.
A procuradoria da Fundação Santa Casa
confirmou em nota que os dois servidores foram afastados por 60 dias sem
prejuízo a sua remuneração. Segundo a fundação “um procedimento de
caráter administrativo, comum no serviço público, no qual a
administração tem o dever de promover apuração das denúncias, obedecendo
ao devido processo legal de ampla defesa e contraditório e, para tanto,
com fundamentos em princípios constitucionais e administrativo, adota
as medidas necessárias e cabíveis”.
Hospital diz que notificou a Anvisa sobre bactéria
Sobre a matéria “Documento alerta sobre
existência de bactéria” veiculada no DIÁRIO, na edição do último
domingo, a Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará enviou nota à
redação informando que notificou a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), sobre os casos de Enterococcus registrados no
hospital. “Todas as medidas tomadas foram baseadas em recomendações
internacionais e da própria Anvisa”.
Segundo a fundação, dos quatro casos de
Enterococcus, três crianças já tiveram alta. Apenas uma permanece
internada e isolada em um dos berçários. “Seguindo as orientações da
Anvisa, está proibido o acesso de pessoas no local. Apenas um técnico em
enfermagem fica dedicado exclusivamente para tratar o caso, com os
devidos cuidados - uso de luvas, gorro e capote, além da higienização
das mãos. Situações como esta são comuns em qualquer hospital do mundo.
Centros de Excelência do Brasil já tiveram casos de uma bactéria
resistente a Vancomicina. Não é um problema exclusivo da Santa Casa do
Pará”.
A criança, que permanece internada,
prossegue a Santa Casa, foi submetida a um procedimento cirúrgico no
colón. “Atualmente, encontra-se bem, respirando em área ambiente (sem o
uso de aparelhos) e aceitando a dieta. A Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar (CCIH) informa ainda que um infectologista e um
enfermeiro especialistas em infecção analisam diariamente estas
unidades”.
SUS
A Santa Casa reafirma ser a maior
maternidade pública do Norte do Brasil, atendendo 100% o Sistema Único
de Saúde (SUS). “Cerca de 800 mulheres são internadas por mês. Em média,
são realizados 600 partos/mês. Deste universo, mais de 86% são partos
de alto risco. Uma clientela que chega à Santa Casa, muitas vezes, sem o
pré-natal completo. 51% das mulheres grávidas que chegam à maternidade
são do interior do Estado”.
Na reportagem o jornal revelou o teor do
memorando n° 234/2013 – CCIH /FSCMPA, datado de 12 de julho que pede o
bloqueio (fechamento) das UTI´s Neonatais 2 e 3 e da Ala Cirúrgica da
Santa casa. O documento mostra que a área de neonatologia da maior
maternidade pública do Estado estava contaminada por um tipo bactéria
resistente, fato omitido pela área de Saúde.
Fonte: (Diário do Pará)
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