Há 25
anos, Samuel Burlamaqui trabalha como defensor público. Seu trabalho é
prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não
podem pagar pelos serviços de um advogado. E há pouco mais de seis anos
ele dedica esta ajuda especificamente aos maiores de 60 anos que se vão
até o Juizado do Idoso em Belém.
Com uma procura crescente a cada ano, o
juizado, localizado no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), se
tornou um dos recordistas em volume processual. “Há dias com mais de 20
audiências, somando as duas varas”, cita o defensor. A maioria dos
idosos que procura o local chega sozinho, sem família. Em geral, são
pessoas humildes, de baixa renda, pouco instruídas e com certa
dificuldade em relatar a sua situação.
O acesso à Justiça pelos mais velhos é o
tema dessa nova matéria da série ‘Agente do Bem’ -publicações especiais
que o Projeto Orgulho de Ser do Pará veiculará ao longo de 45 dias no
jornal DIÁRIO DO PARÁ e na RBATV. Ao todo, são 24 matérias tratando do
universo da terceira idade e também das pessoas com deficiência no
Estado, enfocando contextos de urbanidade e ações positivas de
personagens inspiradores e agentes que promovem a inclusão e o acesso
aos direitos e à cidadania. O objetivo é engajar mais paraenses em ações
que construam cidades melhores, combatendo problemas que estão ao
alcance de todos, muito além da ação do poder público. Com isso, o Grupo
RBA abre uma campanha para formar um exército de ‘Agentes do Bem’ que
ajude a transformar o Pará e suas cidades.
Demandas
“Na questão cível, as principais demandas
são em relação ao direito do consumidor, problemas com empréstimos e
planos de saúde. Assuntos criminais não são tão comuns, mas quando
ocorrem são relativos a pequenos delitos, já que o juizado atende causas
até 40 salários mínimos”, explica Samuel Burlamaqui.
Tal demanda fez com que o sistema do juizado
fosse digitalizado e ampliado, tornando-se mais ágil. Estudantes da
UFPA também atuam no espaço, através de estágios e do Núcleo de Prática
Jurídicas. Segundo o defensor, em primeira instância, quando é proferida
a sentença do juiz, o julgamento ocorre, em média, em até três meses.
“O idoso relata o fato, o processo é aberto e ele já sai com a data da
audiência marcada”, afirma.
Sentimentos de satisfação e frustração fazem
parte da rotina, mas Samuel garante que a sensação maior é de um bom
trabalho realizado, principalmente quando ele recebe de volta o sorriso
de quem já estava perdendo as esperanças. “Acredito que a relação da
sociedade com as pessoas mais velhas tem melhorado, mas ainda falta
divulgação dos direitos, do próprio Estatuto do Idoso. Por isso gosto de
atuar com os idosos. Em alguns anos vou me aposentar e também serei um
deles. Já estou aprendendo”, brinca.
Direitos
Segundo o artigo 71 do Estatuto do Idoso, as
pessoas com mais de 60 anos devem ter prioridade na tramitação, em
qualquer instância, processos, procedimentos e execução de atos e
diligências judiciais. “Essa prioridade se estende a processos e
procedimentos da Administração Pública, empresas prestadoras de serviços
públicos e instituições financeiras”, diz o estatuto.
Outra entidade que vem colaborando para
facilitar o acesso dos mais velhos à Justiça é a Ordem dos Advogados do
Brasil no Pará, que desde janeiro deste ano retomou as atividades da
Comissão de Defesa do Direito dos Idosos. Presidido pelo advogado
Antonio Miranda, o grupo tem como objetivo melhorar a dignidade dos mais
velhos, garantindo a efetivação de seus direitos.
“Sentimos a necessidade de fortalecer a luta
contra os crimes que atingiam os idosos, desde maus-tratos e violência
até situações de discriminação e preconceito. Também analisamos como
sociedade, família e poder público têm cumprido seus deveres em relação a
eles, que infelizmente ainda desconhecem boa parte de seu amparo legal.
Queremos a aplicação do estatuto em sua totalidade. Houve um avanço
grande na legislação, mas ainda não vemos o mesmo na prática do dia a
dia”, avalia.
A OAB recebe as reclamações e as repassa às
autoridades competentes, seja o MP ou a Delegacia do Idoso. Além disso, a
comissão luta pelos direitos de advogados idosos, que também têm
preferência no atendimento em Varas e Tribunais. “É preciso mudar a
forma de encarar o idoso. A discriminação só mudará através da
informação. As pessoas precisam saber que todos esses crimes têm punição
e são mais fiscalizados atualmente”, afirma.
Determinação
Na mesma luta por mudanças está a Federação
dos Aposentados e Pensionistas do Pará. Composta por centenas de
membros, a entidade contabiliza também diversos relatos de brigas
judiciais em busca da reparação de direitos negados aos idosos.
José Alves e Adão Melquíades têm uma ação
desde 2008. Eles requerem a equiparação do reajuste financeiro dados aos
funcionários ativos com o aumento direcionado aos aposentados, conforme
previsto em contrato de trabalho com a empresa. Durante três anos
consecutivos, de 2005 a 2008, a empresa onde eles trabalharam reajustou o
salário de ativos e aposentados de forma desigual. Para os
trabalhadores ela concedeu um acréscimo de 5% sob a denominação de
“nível”, o que significa uma promoção, um aumento por merecimento. “Foi
uma forma de burlar o nosso acordo, pois ela promoveu todos os
funcionários ativos e nós, aposentados, ficamos sem o benefício”, diz.
Os colegas de trabalho acionaram, então, o
sindicato da categoria e entraram na Justiça requerendo equiparação do
salário. Após cinco anos em tramitação, eles reclamam da demora no
Judiciário. “Deveríamos ter prioridade no processo, mas isso não ocorre.
As empresas aproveitam recursos, embargos, apelações e protelam o caso.
Temos uma idade avançada, isso precisa ser levado em conta. Vários
colegas nosso faleceram antes de ver a ação executada”, diz Melquíades.
Aos 73 anos, Zé, como é conhecido entre os
amigos, lembra que já está acima da média de longevidade da população
brasileira e espera um final de vida mais digno e igualitário.
“Cumprimos nosso papel de colaboradores com o governo e agora queremos
aproveitar a família, os amigos. Nosso pedido é simples. Queremos apenas
ser tratados como iguais, com respeito e sem discriminação”, comenta.
Depois do desabafo, ele levanta tranquilo e
segue, em andar cadenciado, ao encontro dos demais companheiros de
jornada. Olha os que se entretêm jogando dominó, cumprimenta o grupo que
discute as notícias do jornal, conversa rapidamente com as colegas que
também acabam de chegar à sede da federação. Zé se acomoda numa cadeira e
sorri, pronto para esquecer um pouco os problemas e se divertir.
Fonte: (Diário do Pará)
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